Os passos do futebol do país até chegar ao Campeonato Brasileiro

Texto: Cláudio Nogueira*

Qual o melhor time de futebol do Brasil? Quem está lendo esta pergunta está imaginando que seria bom se pudesse garantir que é o seu clube. Mas esta resposta só virá mesmo à tona em dezembro, quando estiver concluída a última rodada da edição de 2017 do Campeonato Brasileiro, uma espécie de maratona de regularidade, baseada nos pontos corridos, e bem diferente das competições que têm jogos de mata-mata, como a Copa do Brasil ou os Estaduais. Embora o primeiro torneio com a denominação oficial de “Campeonato Brasileiro” tenha sido disputado em 1971, as primeiras tentativas de se apontar o melhor time do país têm mais de um século. Vêm desde os anos 10.

Como esporte de competição, levado a sério, com campeonatos e regras, o futebol chegou ao país em 1894, na bagagem de Charles Muller, um paulista que havia estudado em Southampton, na Inglaterra, onde aprendeu – e bem – a praticar o esporte e se mostrou um habilidoso e driblador ponteiro. Graças a ele, o primeiro Campeonato Paulista foi disputado em 1902, e por iniciativa de Zuza Ferreira, que havia conhecido o esporte quando havia morado em Londres, a Bahia teve seu primeiro campeonato em 1905.

O Carioca foi o terceiro campeonato do país, organizado por Oscar Cox, fundador do Fluminense. Ainda era muito cedo para se pensar numa competição nacional, já que o futebol, elitizado e amador, fechado aos negros e às classes populares, ainda engatinhava.

Mas em 1911, foi disputado o primeiro troféu interestadual, a Taça Salutaris (uma marca de água mineral), com vitória da A.A. Palmeiras, de São Paulo, que nada tem a ver com o atual Palmeiras, sobre o Botafogo. A disputa reunia  em confrontos de ida e volta apenas os campeões de cada estado. Mas perdeu importância com a posterior criação do Rio-São Paulo.

Na década de 20, a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), precursora da CBF, organizou um torneio interestadual, a Copa dos Campeões Estaduais, como objetivo de formar a seleção brasileira para o Sul-Americano que seria disputado em 1920, no Chile. Do torneio, realizado em Laranjeiras, no estádio do Fluminense, participaram, além dos donos da casa, o Paulistano (SP), que foi campeão, e o Brasil de Pelotas (RS). A mesma Copa teve outras edições em 1931, 1937 e 1967.  Ainda nos anos 30, em 1933, seria realizada a primeira edição do Torneio Rio São-Paulo, embrião do que viria a ser um campeonato nacional.

Naquela temporada, 12 times tomaram parte da competição, e alguns jogos dos Campeonatos Carioca e Paulista contavam pontos para ambos os certames. Vinte e duas rodadas depois, o campeão por pontos corridos foi o antigo Palestra Itália. Que em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, iria alterar seu nome para Palmeiras, já que quando o Brasil declarou guerra ao eixo Alemanha, Itália e Japão, todas as instituições que tivessem seus nomes vinculados a essas nações teriam de modificá-los.

Houve tentativas fracassadas de novas edições em 1934 e 1940. Na de 1934, o torneio foi paralisado devido ao racha do futebol brasileiro entre os adeptos do profissionalismo e do amadorismo, e na de 1940, a disputa foi interrompida porque os clubes paulistas a abandonaram quando Flamengo e Fluminense dividiam a liderança. Dois anos depois, o Estádio do Pacaembu, inaugurado em 1940, sediou o pentagonal interestadual Quinela de Ouro, com Corinthians (campeão), Flamengo, Palestra Itália, São Paulo e Fluminense.

O Rio-São Paulo iria se firmar mesmo a partir de 1950. Numa época em que não havia tanta facilidade de comunicação e de transportes no país – e na qual o Rio ainda era a capital federal (até a inauguração de Brasília em 1960), pode-se dizer que a vida nacional girava ao redor do chamado Eixo Rio-São Paulo. Assim, o clube campeão interestadual era extra-oficialmente o melhor do país. Ocorreu anualmente até 1966, quando foram convidados clubes de outros estados e passou a ser chamado por sua denominação oficial, Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Este fora um goleiro do São Paulo e da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1934, que morreu em 1954 como presidente da Federação Paulista.

O torneio foi jogado anualmente neste período, exceto em 1956. Naquele ano, as equipes cariocas tentaram adiar o torneio para o segundo semestre, por causa do Sul-Americano, mas como não houve acordo, a disputa reuniu apenas clubes paulisas, não sendo considerada efetivamente um Rio-São Paulo (o campeão foi o São Paulo). Em 1964 e 1966, os títulos de campeões foram divididos. Na primeira ocasião, Botafogo e Santos terminaram empatados em pontos, mas, como ambos iriam excursionar, não houve datas para os dois jogos decisivos. Em 1966, ano da Copa do Mundo na Inglaterra, as atividades da seleção brasileira e suas preparações para aquele Mundial impediram que Vasco, Botafogo, Santos e Corinthians – empatados em pontos – tivessem datas para realizar um supercampeonato. Por isso, os quatro foram declarados campeões.

O Rio-São Paulo era organizado pelas federações carioca e paulista. Já no ano de 1967, a competição iria ampliar suas fronteiras e passaria a incluir equipes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, além das tradicionais de São Paulo e da extinta Guanabara (a cidade do Rio de Janeiro, que iria se fundir ao antigo Estado do Rio de Janeiro em 1975). O campeão entre 15 times participantes foi o Palmeiras.

Em 1968, apelidada de Robertão, para dar ideia de sua amplitude, a competição passou a ser administrada pela extinta CBD, que alterou sua denominação para Taça de Prata. Tal nome iria vigorar até a edição de 1970, a última antes do primeiro Campeonato Brasileiro, o de 1971. O Rio-São Paulo foi reorganizado nos anos 90 e teve algumas edições até 2002, quando teve a proposta, que não evoluiu, de suprimir os estaduais.

Em paralelo ao Rio-São Paulo, e depois ao Robertão e à Taça de Prata, foi criada em 1959, por iniciativa da CBD, a Taça Brasil, para apontar o representante do país na nova competição continental, a Copa Libertadores da América, que iria estrear em 1960. O Brasil era o único da América do Sul, diferentemente de Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e os demas países, que não tinha um campeonato nacional, mas vários estaduais.  A proposta era a de que a Taça Brasil chegasse para ocupar essa lacuna. Seu primeiro campeão foi o Bahia, em 1959, e o último, o Botafogo, em 1968. Já em dezembro de 2010, a  CBF decidiu unificar os titulos nacionais anteriores a 1971, equiparando a Taça Brasil, o Roberto Gomes Pedrosa e o Brasileiro pós-1971.

Tal decisão é polêmica até hoje, dadas as diferenças nos modelos de disputa e na quantidade de equipes que tomaram parte nas competições dos períodos anteriores a 1971.

Seguem os diferentes torneios anteriores ao Brasileiro de 1971 e seus respectivos vencedores:

Taça dos Campeões São Paulo-Rio de Janeiro

1911 – AA Palmeiras (SP) (não confundir com o atual Palmeiras) – Taça Salutaris
1915 – AA São Bento (SP)
1917 – América (RJ) – Taça Ioduran
1918 – Paulistano (SP) – Taça Ioduran
1919 – Fluminense – Taça Ioduran
1926 – Palestra Itália (atual Palmeiras)
1930 – Corinthians
1931 – Botafogo
1932 – São Paulo
1934 – Palestra Itália (atual Palmeiras)
1936 – América (RJ)
1937 – Vasco
1941 – Corinthians
1942 – Palmeiras
1943 – São Paulo
1945 – São Paulo
1946 – São Paulo
1948 – Palmeiras
1954 – São Paulo
1956 – Flamengo
1957 – Santos
1985 – São Paulo
1986 – Internacional de Limeira (SP)

Copa dos Campeões Estaduais

1920 – Paulistano (SP)
1931 – Botafogo
1937 – Atlético Mineiro
1967 – Bangu

Torneio Rio-São Paulo

1933 – Palestra Itália, atual Palmeiras
1950 – Corinthians
1951 – Palmeiras
1952 – Portuguesa de Desportos
1953 – Corinthians
1954 – Corinthians
1955 – Portuguesa de Desportos
1957 – Fluminense
1958 – Vasco
1959 – Santos
1960 – Fluminense
1961 – Flamengo
1962 – Botafogo
1963 – Santos
1964 – Santos e Botafogo (título dividido)
1965 – Palmeiras
1966 – Botafogo, Corinthians, Santos e Vasco (título dividido)
1993 – Palmeiras
1997 – Santos
1998 – Botafogo
1999 – Vasco
2000 – Palmeiras
2001 – São Paulo
2002 – Corinthians

Taça Brasil

1959 – Bahia
1960 – Palmeiras
1961 – Santos
1962 – Santos
1963 – Santos
1964 – Santos
1965 – Santos
1966 – Cruzeiro
1967 – Palmeiras
1968 – Botafogo

Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão ou Taça de Prata)

1967 – Palmeiras
1968 – Santos
1969 – Palmeiras
1970 – Fluminense

* Cláudio Nogueira é jornalista do SporTV e autor dos livros “Futebol Brasil Memória – De Oscar Cox a Leônidas da Silva”, “Os dez mais do Vasco da Gama” e “Vamos todos cantar de coração: os 100 anos do futebol no Vasco da Gama” (e-book)

Fonte: Blog Memória EC