Bielsa, a base e as gambiarras do futebol brasileiro

No primeiro dia da Semana de Evolução do Futebol, na sede da CBF, Marcelo Bielsa foi quem mais tocou assunto base. Disse, contrariando certos “dogmas” que aparecem nos discursos bonitinhos sobre base por aqui, que a base dos clubes deveria mudar de esquema tático a cada ano para que o jogador adquirisse mais inteligência. Mais do que cravar se está certo ou errado, cabe ao blog refletir e propor o debate.

O primeiro ponto que surge é: de certa maneira, isso já acontece no profissional. Não na base do planejamento, e sim, da gambiarra, do “fato novo”, da total falta de convicção de quem comanda os clubes. Treinadores são trocados, em média, a cada três meses, por outros com temperamento e metodologia diferente. A cada cantada de pneu dessas, os jogadores precisam assimilar novas orientações, novas ordens.

A partir desta constatação, é possível deduzir que no futebol brasileiro, não vinga geralmente o melhor. Mas aquele que se adapta aos mais diversos ambientes e contextos, o que é uma qualidade também, claro. O estímulo ao jogador melhorar fica em segundo plano. Suas principais qualidades são exploradas dentro de um sistema, e seus defeitos não são corrigidos.

Dentro desse contexto, trabalhar a evolução dos jogadores se torna secundário. O resultado imediato é a prioridade, e a molecada, se quiser crescer, precisa se enquadrar dentro do sistema. A paciência é pouca, quase inexistente. E essa realidade, antes privilégio dos profissionais, é transplantada para a base, um universo em que, se o resultado não importa muito, a disputa política é até mais feroz do que no profissional.

Em diversos casos, o clube, ou os profissionais que estão lá, não trabalham para melhorar o jogador, e sim para botar mais uma taça na sala de troféus, e assim ganhar poder, fazer propaganda do próprio nome. Vale para o treinador, para o dirigente remunerado e para o estatutário.

Essa postura se reflete na hora da escolha do jogador. No sub-15, por exemplo, o jogador com desenvolvimento físico precoce, o chamado “maturado”, é escolhido mesmo que não seja o mais técnico, o mais inteligente. O negócio é ganhar, seja de qual for a forma, sem padrão nenhum. Quem vence aparece, fica bem na fita e cresce na carreira.

Por outro lado, clubes que adotam na base o mesmo esquema de jogo dos profissionais, acabam muitas vezes podando atletas de características diferentes que podem ser melhor aproveitadas em outras funções. Há um esboço disso no Brasil, quase nunca bem sucedido em função do já descrito caos que ocorre em cima. Mais uma vez, quem tá jogando precisa “se enquadrar em um perfil” e fazer o que o técnico manda. A autonomia do jogador, o pensamento, o entendimento do jogo raramente são estimulados.

As duas situações descritas acima prejudicam demais a formação do jogador. A primeira, porque elimina qualquer chance de trabalho planejado e sequenciado que permita uma evolução. O jogador precisa ser treinado para todas as situações do jogo, mas a paciência com o erro na base é (e precisa ser) maior que nos profissionais.  A segunda, porque robotiza um processo inteiro, e o futebol, vale lembrar, é um esporte praticado por seres humanos.

A Bielsa, vale dar o desconto de que o tema da palestra não era base, e sim a parte tática do trabalho, e dizer que ele não teve o devido tempo para se aprofundar mais sobre o assunto. Não tenho opinião formada sobre a afirmação, mas tendo a acreditar que a inteligência tática, por mais que seja importante, não é prioritária nas faixas de idade menores, e fica mais importante ao longo dos anos, até o sub-20. Mas a intenção aqui é abrir para o debate, e não fechar a discussão.

Fonte: Na base da bola